sexta-feira, 11 de março de 2011

UM CONTO SEM FIM


O sonho é um reverso da realidade. Um lapso da incerteza do final. Revela-nos a nossa tolice em acreditar em tudo que se imagina ou ouve.

Estava na varanda de casa quando ela chegou. Papel e caneta nas mãos miúdas.
Cabelo liso, tons avermelhados. Tinha mania de acumular folhas soltas na sua bolsa de crochê feita pela avó.
Não tinha uma beleza que chamasse atenção, era simples, singela, traços brandos. E gostava de conversar. Vestido amarelo e azul. Magrinha, não sei a idade.
Sua voz era meio aguda e de menina pequena, que tinha que ser.

Pediu quase gritando: - “Escreve uma história pra mim...!”

Imaginei que todas as histórias de criança são feitas de cores e doces. Comecei a criar algo magnífico, colorido, onde um príncipe a salvaria do dragão.
Percebi que as mãos pequenas apagavam minhas frases e perguntei o motivo:
- Essas histórias eu não gosto mais de ouvir e continuou:

se quiser me contar uma história, que seja curta.

Talvez uma invenção da sua mente, mas que tivesse relance de sentimentos bons, assim estaria perto da realidade que a cercava.

Ela buscava aquelas histórias inventadas de quem gosta de escrever e esconde-se atrás de nomes e personagens. Ali vejo o bem e o mal andando de mãos dadas.
Obedeci.
Os inventores são tão óbvios quanto os espelhos das suas casas. E acham que enganam.
Eu me iludo, talvez deixe fluir os pensamentos de quem desejar sonhar através das minhas linhas tortas.
Ela queria ouvir todas as verdades inventadas e mentiras camufladas, falando de amores imaturos, beijos interesseiros. O óbvio da humanidade que gosta de enganar-se e dizer:

- Dinheiro não traz felicidade, e o amor é tudo pra nós!

Era uma menina, uma menina que sonhava. E não acreditava em bruxas, ela era feliz, e tinha um sonho que era mais que seu amigo, um dia alguém apareceu e o tomou e foi embora, depois veio outro alguém que parecia uma fada e rasgou sua caixa de recordações.

Ela parecia visivelmente cansada e enrolava o dedo indicador na barra do vestido. Já não aceitava um só “Era uma vez” ela me disse que existiam vários em sua vida e nenhum final.

Entendi que não era a história, mas o fim e ponto final.
Sonhar não é só carregar desejos infindáveis, pode ser uma bolsa de crochê esperando mais um rascunho amassado, mas com um final lógico.
Ela me fitava calada e sua borracha na minha mão lembrava um miolo de pão dormido. Eu tinha que escrever o final.
Sentei-me e comecei narrar, enquanto ela escrevia rápido nas letras, instantes grandes outras pequenas.
Fechei os olhos e falei para que ela me ouvisse. Foram coisas simples, mas reais. Confirmei que as bruxas existem sim, elas são de vários tipos, algumas escrevem também, dão risadas altas e têm a inveja como um argumento de base para destruir as coisas alheias. E que os sonhos terminam voltando, mesmo roubados, talvez para outros corpos, mas jamais ficarão aonde não encontram caminho.
A borracha havia acabado, faltava o ponto final.

Olhei de lado, a menina havia crescido, meus rascunhos, eu mesmo guardei no peito, e as bruxas continuam a rondar soltas.

Coração sem ponta, folha incompleta, sonho de anjo querubim.

E o fim?


Yasmine Lemos



6 comentários:

  1. Nem tudo precisa de um ponto final. As vezes as reticências deixam em aberto, um mundo de possibilidades.
    Bjux

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  2. Que conto delicioso, Yasmine! Raealismo fantástico e sonhos em um mosaico de ciclos que se sucedem, que vão e vem e não (devem)se acabar. Abraço grande. Paz e bem.

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  3. Wanderley, o que seria de nó sem as reticências no final?
    beijos

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  4. Cacá , historiador e bom entendedor das letras, eu fico feliz que você gostou. grande abraço

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  5. Era uma vez uma menina que contou para si uma história inventada por ela propria. Só que deixou de acrescentar o final que está se desenrolando bonito. beijo de zélia

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  6. Com certeza minha linda, nao sera o fim, mas sim o recomeço...amei seu blog...e vim aqui agradecer o carinho em visitar o meu...obrigada sempre e sempre...Ja estou te seguindo...bjin e fique com DEUS!!

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Amor e Paz

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