O dia da criança estava chegando,
lá pelo inicio dos anos 80. O regime militar já não tinha os gritos tão fortes,
mas estavam na espreita sempre, e a democracia em gestação natural, crescia
pelos cantos dos muros, pelas vontades contidas depois de tanto sofrimento e dor.
Era lógico que a nossa situação
financeira era péssima, meu pai tentando um emprego, depois de um longo periodo
entre torturas e exílio político, trabalhando em um jornal de esquerda,
dinheiro minguado, contado. Aluguel, comida, escola e ponto, tudo medido. Eu e
meu irmão mais velho apesar de pequenos, entendíamos a situação, lembro
claramente que tínhamos desejos como qualquer criança, mas a boca não
reclamava, não havia histérismos.
Nessa época morávamos em Recife,
e já comecei a conhecer a saudade. Longe da família, dos primos, do aconchego
da casa da minha avó. Uma tarde, minha mãe falou que tinha sobrado da feira algum
dinheiro, era pouco, mas eu e meu irmão poderíamos escolher um presente. Minha
memória de elefante me permite enxergar a cena: a loja de departamento infantil
lotada dos brinquedos mais lindos, bonecas, carros etc. E nós dois andando
pelos corredores sem ter o que fazer, eu não tive coragem de escolher nada, com
pena do meu pai. Preocupada com a angústia da minha mãe. Crescemos embaixo das
porradas da realidade,sem necessidade de alarmes e dengos. Ficamos sem
presentes, outros anos vieram e melhores, mas tudo sem traumas maiores. E a
vida é assim: dá e toma, envolve e larga. Um tem sorte, outro não, um nasce com
“a cama” pronta, outro tem que batalhar até o prego para fazer a cama. Nunca me revoltei contra eles. Eu aceitava porque era a realidade. Depois, nunca
me imaginei sendo a menina protegida, blindada, a que não pode trabalhar cedo
porque tem que primeiro estudar, coisas normais que a maioria dos pais desejam
para seus filhos. Sofrer cedo demais, nos faz ter uma lucidez absurda, uma
forma de enxergar a vida sem floreios: verdade ou mentira faça sua escolha.Um preço muito alto,doloroso .
Eu sei que era a menina “velha” e
sempre um medo de perder algo me rondava o peito. Perder o carinho, perder a
velha boneca Pêpa, mudar de cidade. Hoje tenho meu filho que me ensina coisas com
seus oito anos e diferente de mim, nasceu no tempo das coisas modernas, e rápidas
. Criar filhos é um exercício difícil, árduo, por isso não quero que ele perca
a candura, que viva a infância como ela tem que ser: colorida, lúdica, apesar
de ser muitas vezes dura com ele, digo a verdade nua e crua. Apesar de tudo, ainda
sonho, viajo em mundos que só eu sei chegar e ser o que quiser (uma infância
esquecida que insiste em acontecer). Uma coisa eu tenho certeza e que me deixa
feliz : ninguém me tirou a ânsia de
amar.YL
P.S: Sempre escuto essa música
linda de Gonzaguinha e sempre me
emociono e hoje fazendo sucesso na abertura da novela das 21hs. Ela me faz viajar no tempo e por isto o texto
.
Maravida
Gonzaguinha
Era uma vez eu no meio da vida
Essa vida assim, tanto mar, tanto mar
Coisa de doce e de sal
Essa vida assim, tanto mar, tanto mar
Sempre o mar, cores indo
Do verde mais verde ao anil mais anil
Cores do sol e da chuva
Do sol e do vento, do sol e o luar
Era o tempo na rua e eu nua
Usando e abusando do verbo provar
Um beija-flor, flor em flor, bar em bar
Bem ou mal margulhar
Sempre menina franzina, traquina
De tudo querendo, provar e provar
Sempre garota, marota, tão louca
A boca de tudo querendo levar
Vida, vida, vida
Que seja do jeito que for
Mar, amar, amor
Se a dor quer o mar dessa dor, ah!
Quero no meu peito repleto
De tudo que possa abraçar
Quero a sede e a fome eternas
De amar, e amar e amar...
Vida, vida, vida.
Lindas memórias,Yasmine e bom saber que sempre tens o amor em ti! beijos,chica
ResponderExcluirLindo.... muitas vezes desistir ainda que não pareça
ResponderExcluirfoi seu grande gesto de coragem.
beijo
Um texto emotivo e sábio.
ResponderExcluirBeijinho
Um belo relato de vida de gente forte, e a vida não é para os fracos. Amo Gonzaguinha.
ResponderExcluirBoa semana
Bjux
Yasmine,
ResponderExcluirum pensador disse:"certas carências são pedagógicas." Não que se deseje que o aprendizado ocorra através da dor, do sofrimento ou da perda, mas se assim o for que ao menos as lições deixadas sejam permeadas de compreensão amorosa e lembranças sadias, como as tuas, brava menina.
Bjkas e boa semana.
Calu
Oi Yasmine! Fiquei feliz de te ler! Que bom que voltou!
ResponderExcluir"Sempre garota, marota, tão louca" Nossa cara! ;) !
Beju Grande!
To naquele estilo lerdo ao blogar, mas to feliz!
Beju grande!
Yasmine,
ResponderExcluirA minha infância, financeiramente falando, foi dura com a sua. E não carrego traumas, e sim muitos ensinamentos.
Lindo o seu texto!
Uma linda semana! Beijos
Inteligentemente você fez um breve e perfeito relato de um tempo infeliz da nossa historia, para lembrar sua infância identificando os passos tomados, que hoje lhe respaldam na educação de um filho.Não se pode sentar num passado sofrido sem que dele tiremos lições como voce bem relata.
ResponderExcluirMuito boa escolha da musica.
Tenho especial admiração pelo Moleque Gonzaguinha.
Um carinhoso abraço amiga.
Bjo.
ResponderExcluirOi amiga,
Relato lindo, que faz brilhar ainda mais a luz que há em você.
Beijo