sábado, 8 de junho de 2013

Corredores da vida

O dia da criança estava chegando, lá pelo inicio dos anos 80. O regime militar já não tinha os gritos tão fortes, mas estavam na espreita sempre, e a democracia em gestação natural, crescia pelos cantos dos muros, pelas vontades contidas depois de tanto sofrimento e dor.
Era lógico que a nossa situação financeira era péssima, meu pai tentando um emprego, depois de um longo periodo entre torturas e exílio político, trabalhando em um jornal de esquerda, dinheiro minguado, contado. Aluguel, comida, escola e ponto, tudo medido. Eu e meu irmão mais velho apesar de pequenos, entendíamos a situação, lembro claramente que tínhamos desejos como qualquer criança, mas a boca não reclamava, não havia histérismos.
Nessa época morávamos em Recife, e já comecei a conhecer a saudade. Longe da família, dos primos, do aconchego da casa da minha avó. Uma tarde, minha mãe falou que tinha sobrado da feira algum dinheiro, era pouco, mas eu e meu irmão poderíamos escolher um presente. Minha memória de elefante me permite enxergar a cena: a loja de departamento infantil lotada dos brinquedos mais lindos, bonecas, carros etc. E nós dois andando pelos corredores sem ter o que fazer, eu não tive coragem de escolher nada, com pena do meu pai. Preocupada com a angústia da minha mãe. Crescemos embaixo das porradas da realidade,sem necessidade de alarmes e dengos. Ficamos sem presentes, outros anos vieram e melhores, mas tudo sem traumas maiores. E a vida é assim: dá e toma, envolve e larga. Um tem sorte, outro não, um nasce com “a cama” pronta, outro tem que batalhar até o prego para fazer a cama. Nunca  me revoltei contra eles. Eu aceitava porque era a realidade. Depois, nunca me imaginei sendo a menina protegida, blindada, a que não pode trabalhar cedo porque tem que primeiro estudar, coisas normais que a maioria dos pais desejam para seus filhos. Sofrer cedo demais, nos faz ter uma lucidez absurda, uma forma de enxergar a vida sem floreios: verdade ou mentira faça sua escolha.Um preço muito alto,doloroso .
Eu sei que era a menina “velha” e sempre um medo de perder algo me rondava o peito. Perder o carinho, perder a velha boneca Pêpa, mudar de cidade. Hoje tenho meu filho que me ensina coisas com seus oito anos e diferente de mim, nasceu no tempo das coisas modernas, e rápidas . Criar filhos é um exercício difícil, árduo, por isso não quero que ele perca a candura, que viva a infância como ela tem que ser: colorida, lúdica, apesar de ser muitas vezes dura com ele, digo a verdade nua e crua. Apesar de tudo, ainda sonho, viajo em mundos que só eu sei chegar e ser o que quiser (uma infância esquecida que insiste em acontecer). Uma coisa eu tenho certeza e que me deixa feliz : ninguém  me tirou a ânsia de amar.YL


P.S: Sempre escuto essa música linda de Gonzaguinha  e sempre me emociono e hoje fazendo sucesso na abertura da novela das 21hs. Ela me faz viajar no tempo e por isto o texto . 



Maravida
Gonzaguinha

Era uma vez eu no meio da vida
Essa vida assim, tanto mar, tanto mar
Coisa de doce e de sal
Essa vida assim, tanto mar, tanto mar
Sempre o mar, cores indo
Do verde mais verde ao anil mais anil
Cores do sol e da chuva
Do sol e do vento, do sol e o luar
Era o tempo na rua e eu nua
Usando e abusando do verbo provar
Um beija-flor, flor em flor, bar em bar
Bem ou mal margulhar
Sempre menina franzina, traquina
De tudo querendo, provar e provar
Sempre garota, marota, tão louca
A boca de tudo querendo levar
Vida, vida, vida
Que seja do jeito que for
Mar, amar, amor
Se a dor quer o mar dessa dor, ah!
Quero no meu peito repleto
De tudo que possa abraçar
Quero a sede e a fome eternas
De amar, e amar e amar...
Vida, vida, vida.

9 comentários:

  1. Lindas memórias,Yasmine e bom saber que sempre tens o amor em ti! beijos,chica

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  2. Lindo.... muitas vezes desistir ainda que não pareça
    foi seu grande gesto de coragem.

    beijo

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  3. Um belo relato de vida de gente forte, e a vida não é para os fracos. Amo Gonzaguinha.
    Boa semana
    Bjux

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  4. Yasmine,
    um pensador disse:"certas carências são pedagógicas." Não que se deseje que o aprendizado ocorra através da dor, do sofrimento ou da perda, mas se assim o for que ao menos as lições deixadas sejam permeadas de compreensão amorosa e lembranças sadias, como as tuas, brava menina.
    Bjkas e boa semana.
    Calu

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  5. Oi Yasmine! Fiquei feliz de te ler! Que bom que voltou!
    "Sempre garota, marota, tão louca" Nossa cara! ;) !

    Beju Grande!

    To naquele estilo lerdo ao blogar, mas to feliz!
    Beju grande!

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  6. Yasmine,

    A minha infância, financeiramente falando, foi dura com a sua. E não carrego traumas, e sim muitos ensinamentos.
    Lindo o seu texto!
    Uma linda semana! Beijos

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  7. Inteligentemente você fez um breve e perfeito relato de um tempo infeliz da nossa historia, para lembrar sua infância identificando os passos tomados, que hoje lhe respaldam na educação de um filho.Não se pode sentar num passado sofrido sem que dele tiremos lições como voce bem relata.
    Muito boa escolha da musica.
    Tenho especial admiração pelo Moleque Gonzaguinha.
    Um carinhoso abraço amiga.
    Bjo.

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  8. Oi amiga,

    Relato lindo, que faz brilhar ainda mais a luz que há em você.

    Beijo

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Amor e Paz

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