quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A BELEZA DA MALUQUEZ

Hoje Ana Karla postou um clipe de Raul Seixas "Maluco Beleza" blog que me fez lembrar de uma crônica que fiz em 2005 para Revista Papangu: "A Beleza da Maluquez", falando sobre a loucura (logo abaixo). Encontrei -a nos meus arquivos desorganizados por natureza e extravaso também como minha amiga Ana  , essa vontade de ser maluca numa beleza inocente pois o mundo está me deixando cada dia mais espantada com tanta maldade  e ganância, quero essa doidera de Raul , quero essa loucura dos doidinhos da minha infância. YL


A rua que eu nasci e cresci no Tirol, brincando, me machucando nas queimadas mudou.

Mudaram as pessoas, os vizinhos, muita coisa mudou.

Da infância tenho lembranças mais do que boas. Não tínhamos absolutamente nada de moderno, brinquedos “supersuper”, computadores, DVDs, éramos felizes por nada, a felicidade transbordava sem cobrar absolutamente nada.

Mentindo um bocado, riamos,inventávamos brincadeiras e o que a minha lembrança guardou mesmo foi nossos amigos loucos.

Todo mundo deve ter conhecido um louco que passava em sua rua. Assustava a meninada.Os meus (tomo posse por ser das minhas lembranças) eram engraçados. “A benção meu padrinho”, um barrigudo moreno baixinho atrevido que tinha semanas que odiava algum político, no outro dia estava adorando e se a gente gritasse: -“Doido! A benção meu padrinho!”, ele fazia cocô na calçada da nossa casa, uma vingança e tanto. Tinha também “Doido Iodex”, esse era uma figura interessante para quem via. Passava uma pomada fedorenta nas pernas e andava de bermuda sem camisa, um sapato social sem meia, um balde e um cabo de vassoura pra correr atrás da gente.

Depois o famoso “caranguejo com batata” esse eu confesso que correu atrás de mim uma vez, eu quase me acabo na ladeira do final da rua .Tinha um rosto vermelho, queimado do sol e andava numa bicicleta velha.

E eram assim nossos loucos. Esperávamos por eles no muro da casa de vovó ou no final da rua.

Era como se nossos gritos de medo e pavor infantis massageassem o ego dos protagonistas do terror de quinta categoria, no mais puro e ingênuo cenário. Acho que no íntimo dos seus delírios eles se dopavam com nossa provocação e conseguiam extravasar seus próprios medos através dos nossos. Fazíamos parte das suas dependências químicas, alias não acredito que tomassem algum remédio, às vezes sumiam semanas, se encantavam.

Nos meus sonhos de menina besta, achava que eles não tinham casa, não se internavam,sumiam como mágica, depois de dispensados do “descanso” eles voltavam com todo o gás para nosso delírio. Eram nossos loucos preferidos, nunca mais os vi.

Às vezes os procuro pelas ruas, mas pelo tempo, acho que já morreram todos. Sinto falta da maldade que não fazia mal. Da doença que acrescentava em nós crianças a liberdade de poder deixá-los se soltar, gritar, correr todos juntos, todos loucos.

Não ouvíamos falar em drogas pesadas, em maníacos sexuais. O máximo que poderia acontecer era alguém da turma inventar uma mentira imensa para fazer a gente descer a ladeira à noite com um medo horrível. Não fazia mal. Era um mundo mais tranqüilo, sadio.

A imagem que foi fixada e formada em mim de loucura foi a menos traumática. Não acreditava que loucos pudessem matar, roubar, enganar as pessoas, mas tudo mudou. Agora nesse mundo, quem for mau caráter dizem logo que é louco, no mesmo instante lembro-me da “minha turma” e não tem como comparar ou aceitar. Atualmente quem mata uma criança é louco, quem não tem palavra de honra, tem algum distúrbio, problemas depressivos.

A maldade em essência se apossou do titulo de uma real doença mental. Os pobres loucos que não sabem realmente o que fazem se trancam no escuro de sua mente, dopados e sorrindo para o vazio estão misturados no mesmo diagnóstico mundano e podre dos homens de sã consciência. Prefiro os meus loucos.Minha rua mudou, a cidade mudou, as pessoas mudaram.

Outras já fizeram sua viagem eterna. No final da tarde no mesmo muro da casa de vovó que hoje apoio meu filho para ver os gatos e cachorros que passeiam, não existe mais ninguém para brincar de nos assustar, só um medo que como o vento de final de tarde nos invade como visita, medo dos loucos modernos que são maus por natureza e loucos por maldade.



Yasmine Lemos
Natal/2005







MEDO DA CHUVA (na minha opinião a letra mais bonita dele)

(Raul Seixas / Paulo Coelho)

É pena

Que você pensa que eu sou escravo

Dizendo que eu sou seu marido

E não posso partir

Como as pedras imóveis na praia

Eu fico ao teu lado sem saber

Dos amores que a vida me trouxe

E eu não pude viver

Eu perdi o meu medo

Meu medo, meu medo da chuva

Pois a chuva voltando pra terra

Traz coisas do ar

Aprendi o segredo

O segredo, o segredo da vida

Vendo as pedras que choram sozinhas

No mesmo lugar

Eu não posso entender

Tanta gente aceitando a mentira

De que os sonhos desfazem

Aquilo que o padre falou

Porque quando eu jurei

Meu amor eu traí a mim mesmo

Hoje eu sei que ninguém neste mundo

é feliz tendo amado uma vez

Uma vez

Eu perdi o meu medo

Meu medo, meu medo da chuva

Pois a chuva voltando pra terra

Traz coisas do ar

Aprendi o segredo

O segredo, o segredo da vida

Vendo as pedras que choram sozinhas
No mesmo lugar

Vendo as pedras que sonham

Sozinhas no mesmo lugar

8 comentários:

  1. Ah Yasmine, você agora me fez lembrar de uma doida que eu morria de medo, Quitéria Raio, nem sei bem como ela era por que meu pavor era tão grande que nem conseguia olhar pra ela. Lenco aqui percebo que era mais uma "doida" a procura de platéia.

    Pois o Maluco Beleza me inspira muita "maluquez", as vezes quero ser assim mesmo.

    "Medo da Chuva" também é um lindo clássico, mas nem sei dizer qual a que gosto mais.

    Valeu demais o post.

    Xeros

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  2. Cada um com seu "doidinho" na lembrança .
    beijo

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  3. Loucos da minha infância era mais imaginários do que reais,mas mesmo assim provocavam medo, o bicho da cara preta, o velho do saco e por ai vaim se ue não me comportasse bem ele viria me buscar e levar sabe Deus para onde.Hoje nada parece assustar essas crianças altamente tecnologicas.
    Beijos

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  4. Estive ontem no blog da Ana e adorei encontrar o Raul e hj continuo com este belo post.
    Uma continuação mt bacana.
    Tenhas um lindo fim d semana.

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  5. Flor e Mariana, locura boa e Raul combinam bem.Obrigada pela visita
    meu beijo

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  6. Ah minha amiga...

    Issro sim é que era ser feliz.
    Nossos loucos distam tanto das atrocidades dos dias atuais...
    Senti agora, imensa saudade da minha infância...e de um dos meus loucos que se chamava "Bolachina"...um andarilho que estava sempre andando pela rua resmungando, bravo com todo mundo...mas se a gente chegasse perto e desse uma bolacha maizena...ele virava uma calamaria só! rs

    Obrigada por trazer de volta esta lembrança!

    Um beijo grande e bom final de semana!

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  7. Mari ,to rindo aqui com o seu doidinho! biscoito de maizena para acalmar é demais! rss
    beijão

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  8. Olá !
    Por um dessas concidências da vida que não sabemos explicar,cheguei aqui no seu blog.
    Você conhece o Clube Caiubi de Compositores?
    Veja isto e quem sabe vc participe junto conosco.Meu e mail lucindaprado@hotmail.com

    "Proposta de uma coletânea de contos caiubistas"
    Venha conosco para que possamos fazer uma coletânea para o projeto de um possível livro Caiubi! Venha até minha página http://clubecaiubi.ning.com/profiles/blogs/uma-licao-de-amor-lucinda-o Leia os textos anexados a "UMA LIÇÃO DE AMOR" que esta no blog da página que você irá entender melhor... O desafio é o seguinte: Todos nos tivemos ou temos em nossa cidade um Chico Papo, Um velho do sacou ou um Papão... Escreva seu conto e venha conosco para juntos escrevermos um livro Caiubi.
    O Importante é que seu texto conte uma história que possa ser agradável ao leitor e que tenha uma mensagem reflexiva.
    Estamos aqui neste fórum para interagirmos e juntos pensar este belo projeto.
    O que você acha da idéia? Pode ser verso, prosa, crônica, como você quiser, ficção ou não.
    Vamos aderir e divulgar esta idéia para nossa lista de amigos? Abra sua memória, escreva sua vivência, aguardamos seu contato.
    LUCINDA PRADO

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